CHARLES DARWIN (1809-1882) On the Origin of Species by Means of Natural Selection ( A Origem das Espécies por meio da Seleção Natural), de Charles Darwin , publicado em 1859, é um dos mais importantes livros da história da civilização ocidental. A teoria da evolução nele apresentada libertou os cientistas de tradições e superstições até então inibidoras, tendo-os lançado na era da maturidade e respeitabilidade das ciências da vida. A teoria da evolução também teria sido um tremendo impacto na psicologia americana contemporânea, que deve sua forma e substância tanto à influência da obra de Darwin como a qualquer outra idéia ou indivíduo. Além disso, a teoria evolutiva exerceu uma grande influência sobre a obra de Sigmund Freud.
A sugestão de que os seres vivos mudam com o tempo, que é a noção fundamental da evolução, não teve origem em Darwin. Embora antecipações intelectuais dessa idéia geral remontem ao século V a.C., só no final do século XVIII a teoria foi investigada sistematicamente. Erasmus Darwin (o avô de 170 quilos de Charles Darwin e Francis Galton) defendia a crença de que todos os animais de sangue quente tinham evoluído a partir de um mesmo filamento vivo, animado por Deus. Em 1809, o naturalista francês Jean Baptiste Lamarck formulou uma teoria comportamental da evolução que acentuava a modificação de forma corporal de um animal através dos seus esforços de adaptação ao ambiente, essas modificações, sugeriu Lamarck, eram herdadas pelas gerações seguintes. De acordo com essa teoria, para dar um exemplo, a girafa desenvolveu o seu longo pescoço no decorrer das gerações, por ter tido de alcançar ramos cada vez mais altos para encontrar comida. Em meados da década de 1800, o geólogo britânico Charles Lyell introduziu a noção de evolução na teoria geológica, afirmando que a Terra tinha passado por vários estágios de desenvolvimento até alcançar sua atual estrutura.
Por que, passados tantos séculos de aceitação do relato bíblico da criação, os cientistas foram impelidos a buscar uma explicação alternativa? Uma das razões é que aumentavam os conhecimentos sobre as outras espécies que habitam a Terra. Os pesquisadores descobriam e estudava, curiosos tipos de vida animal existentes em vários continentes. Era inevitável, portanto, que alguns pensadores começassem a perguntar como Noé poderia ter posto um par de cada um desses animais na arca. Havia simplesmente um número grande demais de espécies para que se continuasse a crer na história bíblica.
Exploradores e cientistas tinham encontrado fósseis e ossos de criaturas não condizentes com o de espécies existentes – ossos que geralmente pertenciam a animais que um dia percorreram a Terra e desapareceram. Por conseguinte, deixara de ser possível considerar as formas vivas como constantes e imutáveis desde o começo dos tempos; elas estavam sujeitas a modificação. Antigas espécies foram extintas e novas apareceram, sendo algumas alterações de formas existentes. Talvez, especularam alguns cientistas, toda a natureza derive de mudanças e ainda esteja em processo de evolução.
O impacto da mudança continua estava sendo observado tanto no domínio intelectual e científico como na vida quotidiana. A sociedade estava sendo transformada pela forças da Revolução Industrial. Valores, relações sociais e normas culturais que tinham sido constantes durante gerações estavam sendo destroçadas com a migração de numerosos contingentes vindos de áreas rurais e cidadezinhas para os gigantescos centros urbanos fabris.
Sobretudo, havia a crescente influência da ciência. As pessoas contentavam-se menos em fundamentar seu conhecimento da natureza humana e da sociedade naquilo que a Bíblia e as autoridades antigas afirmavam ser verdadeiro.
Mudança era o Zeitgeist da época. Ela afetou o lavrador, cuja vida passara a pular segundo o ritmo da máquina, e não mais das estações, assim como o cientista, que agora passava o tempo desvendando os segredos de um conjunto de ossos récem-descobertos. O clima social e intelectual tornava cientificamente respeitável a idéia de uma teoria evolutiva. Houve muita especulação e teorização, mas, por muito tempo, foram poucas as provas capazes de sustentá-las. Então, A Origem das Espécies forneceu tantos dados bem organizados que a idéia de evolução não pôde mais ser ignorada. A época exigia essa teoria, e Charles Darwin tornou-se seu veículo.
Quando menino, Charles Darwin dava poucas indicações de vira a ser o zeloso cientista que o mundo iria conhecer. Na verdade, esperava-se que ele não fosse senão um ocioso cavalheiro, preocupado apenas com os esportes. Em seus primeiros anos de vida mostrou-se tão pouco promissor que seu pai, um médico abastado, chegou a se preocupar em ver o jovem Charles ser a desgraça da família. Embora nunca tivesse gostado da escola nem ido bem nos estudos, Charle cedo mostrou interesse pela história natural e por colecionar moedas, conchas e minerais. Enviado pelo pai à Universidade de Edimburgo para estudar medicina, ele a achou maçante. Percebendo que Charles ia mal, o pai decidiu que o jovem deveria tornar-se clérigo.
Darwin passou três anos na Universidade de Cambridge, e descreveu a experiência como tempo perdido, ao menos do ponto de vista acadêmico. Em termos sociais, foi uma época maravilhosa, que ele considerou o período mais feliz de sua vida. Colecionava besouros, caçava e passava boa parte do tempo bebendo, cantando e jogando cartas com um grupo de colegas que ele mesmo considerava dissipados e pouco dotados intelectualmente.
Um de seus instrutores, o destacado botânico John Stevens Henslow promoveu a nomeação de Darwin como um naturalista a bordo do navio H.M.S. Beagle, que o governo britânico preparava para uma viagem científica ao redor do mundo. Essa famosa excursão que durou de 1831 a 1836, começou em águas sul-americanas, rumou para o Taiti e a Nova Zelândia e voltou para a Inglaterra pela Ilha de Ascensão e pêlos Açores, A viagem deu a Darwin a oportunidade ímpar de observar uma imensa variedade de plantas e formas de vida animal, e ele coletou uma vasta quantidade de dados. Essa jornada modificou o caráter de Darwin. Deixando a vida de diletante e amante dos prazeres, voltou à Inglaterra como um cientista sério e dedicado, com uma paixão e um objetivo na vida – promulgar sua teoria da evolução.
Em 1839, Darwin se casou; três anos mais tarde, mudou-se com a esposa para Down, uma cidadezinha a cerca de vinte e cinco quilômetros de Londres, para poder concentrar-se em sua obra sem as distrações da vida na cidade. Sempre mal de saúde, continuou a ser acometido por problemas físicos, queixando-se de vômitos, flatulência, furúnculos, eczemas, vertigens, tremores e ataque de depressão. Ao que parece, os sintomas eram neuróticos, provocados por qualquer mudança na sua rotina diária. Sempre que o mundo exterior se fazia presente, impedindo-o de trabalhar, ele tinha um ataque. A enfermidade tornou-se um recurso útil, protegendo-o das questões da vida diária e propiciando-lhe a solidão e a concentração de que precisava par criar sua teoria. Um escritor denominou o problema de saúde de Darwin uma “doença criativa” (Pickering,1974).
Desde a época do seu retorno com o Beagle, Darwin estava convencido da validade da teoria da evolução das espécies. Por que, então, esperou vinte e dois anos antes de apresentar sua obra ao mundo? A resposta parece estar em sua atitude extremamente conservadora, um requisito de temperamento para um bom cientista. Darwin sabia que sua teoria era revolucionária e desejava ter certeza de que, quando a publicasse, ela tivesse provas suficientes em seu apoio. Por isso, agiu com meticulosa cautela.
Só em 1842 Darwin sentiu-se preparado para escrever um breve sumário de trinta e cinco páginas sobre o desenvolvimento de sua teoria. Dois anos mais tarde, ele o expandiu, redigindo um ensaio de duzentas páginas, mas ainda não estava satisfeito. Continuou a conservar suas idéias para si, partilhando-as apenas com Charles Lyell e com o botânico Joseph Hoocker. Por mais quinze anos ele continuou a trabalhar com seus dados, conferindo, elaborando, revisando, para ter certeza de que, quando finalmente a publicasse, a teoria fosse inatacável.
Ninguém sabe quanto tempo mais Darwin teria demorado se não tivesse recebido, em junho de 1858, uma carta esmagadora de um certo Alfred Russel Wallace, um jovem naturalista. Este, enquanto convalescia de uma doença nas Índias Orientais, fizera o esboço de uma teoria da evolução espantosamente semelhante à de Darwin, embora não apoiada no volume de dados que Darwin acumulara. Wallace dizia que fizera o trabalho em três dias! Em sua carta pedia a opinião de Darwin sobre sua teoria e a sua ajuda para conseguir publicá-lo. Podemos imaginar o que Darwin sentiu diante disso, depois de mais de duas décadas de um trabalho penoso e cansativo.
Darwin tinha outra característica que não é incomum entre cientistas: ambição pessoal. Mesmo antes de sua viagem no Beagle, ele escrevera em seu diário que tinha a “ambição de ocupar um lugar justo entre os homens da ciência”. E também escrevera: “Eu gostaria de atribuir menos valor a essa insignificância que é a fama” e “Detesto a idéia de escrever para conseguir a prioridade, mas por certo ficaria aflito se alguém publicasse as minhas doutrinas antes de mim” (Merton, 1957, pp. 647-648).
Com invejável honestidade, contudo, Darwin refletiu sobre a carta de Wallace e decidiu: “Parece-me difícil ter de perder a prioridade depois de tantos anos, mas não posso ter a certeza de que isso altere a justiça dos caso…Seria uma desonra para mim publicar agora” (Merton, 1957, p. 648).
Os amigos de Darwin, Lyelll e Hooker, sugeriram que ele lesse o trabalho de Wallace e partes de seu próprio livro a ser publicado numa reunião de Linnean Society em 1º de julho de 1858. O resto é história. Todos os 1.250 exemplares da primeira edição de A Origem das Espécies foram vendidas no dia da publicação. O livro gerou uma comoção e uma controvérsia imediatas, e Darwin, embora sujeito a muitos insultos e críticas, conseguiu a “insignificância que é a fama”.
A obra de Darwin no final do século XIX foi uma importante força plasmadora da psicologia moderna. A teoria da evolução fez surgir a estimulante possibilidade de uma continuidade no funcionamento mental entre os homens e os animais inferiores. Embora amplamente anatômicas, as provas sugeriam com vigor haver continuidade no desenvolvimento do comportamento e dos processos mentais. Se a mente humana tinha evoluído a partir de mentes mais primitivas, existiriam semelhanças no funcionamento mental dos homens e animais. A separação entre animais e homens proposta dois séculos antes por Descartes estava assim exposta a um sério questionamento, e o estudo do comportamento animal podia agora ser considerado vital para uma compreensão do comportamento humano. Os cientistas voltaram-se para a pesquisa do funcionamento mental animal, introduzindo um novo objeto no laboratório de psicologia. Esse novo campo da psicologia animal iria ter amplas implicações.
A teoria evolutiva também provocou uma mudança no objeto de estudo e no objetivo da psicologia. O foco dos estruturalistas era a análise do conteúdo consciente. A obra de Darwin inspirou alguns psicólogos, em especial norte-americanos, a levar em conta as possíveis funções da consciência. Isso parecia a muitos investigadores mais importante do que a determinação dos elementos da consciência. Assim, à medida que a psicologia ia se voltando mais e mais para o modo de funcionamento do organismo em sua adaptação ao ambiente, a pesquisa detalhada de elementos mentais começava a perder seu atrativo.
A teoria de Darwin também influenciou a psicologia ao ampliar a metodologia que a nova ciência podia legitimamente usar. Os métodos empregados no laboratório de Wundt em Leipzig derivavam primariamente da fisiologia, em especial dos métodos psicofísicos de Fechner. Os métodos de Darwin, que produziam resultados aplicáveis tanto ao homem como aos animais, em nada se pareciam com técnicas de base fisiológica. Seus dados advinham de uma variedade de fontes, incluindo a geologia, a arqueologia, a demografia, observações de animais selvagens e domésticos, e pesquisas sobre a criação de animais. A sua teoria era apoiada por informações vindas de todos esses campos.
Ali estavam provas tangíveis e impressionantes de que os cientistas poderiam estudar a natureza humana com outras técnicas além da introspecção experimental. Seguindo o exemplo de Darwin, os psicólogos que tinham sido influenciados pela teoria da evolução e por sua ênfase nas funções da consciência tornaram-se mais ecléticos no tocante a métodos de pesquisa. Como resultado, ampliaram-se os tipos de dados reunidos pêlos psicólogos.
Outro feito da teoria da evolução na psicologia foi o foco mais insistente nas diferenças individuais. O fato da variação entre membros da mesma espécie era evidente para Darwin em conseqüência da sua observação, durante a vigem no Beagle, de inúmeras espécies e formas. A evolução não poderia ocorrer se toda geração fosse idêntica à dos seus pais. Portanto, a variação era um importante pilar da teoria evolutiva.
Enquanto os psicólogos estruturais continuavam a buscar leis gerais que abrangessem todas as mentes, os psicólogos influenciados pelas idéias de Darwin começaram a procurar os modos pêlos quais as mentes individuais diferiam, e técnicas para medir essas diferenças. A psicologia dos estruturalistas tinha pouco espaço para consideração da mente dos animais ou das diferenças individuais. Cabia aos cientistas de tendência funcionalista a exploração desses problemas. Como resultado, a forma e a natureza da nova psicologia começaram a mudar.