O sapo de Einstein
20 de julho de 2009 | Autor: antonini
Por Mariângela Pereira de
Albuquerque
Nasci e vivi no Brasil toda a minha vida, até 2001.
Constituímos uma família feliz, eu, meu marido e minhas filhas.
Leciono macroeconomia em Saint John, no Canadá.
Sinto muitas saudades do meu país e, como ninguém é de ferro, sempre
passamos nossas férias no Recife, Rio ou São Paulo.
Há pouco mais de um mês, chegamos do Brasil e entre várias
lembranças inesquecíveis (principalmente do sol!) tomamos uma
decisão dolorosa: não voltaremos mais ao nosso país.
Nossa decisão de sair do Brasil, também foi dramática, mas eu e meu
marido (que também é professor e pesquisador),
fizemos uma análise fria e detalhada das nossas possibilidades,
perspectivas e como poderia ser o futuro principalmente para nossas
filhas.
Considerando principalmente o futuro político e econômico do Brasil,
decidimos, com enorme dor no coração, deixar o Brasil. No início,
pensei que tínhamos tido muita sorte, pois fomos recebidos pelo
mundo acadêmico um salário inimaginável se comparado ao que
recebíamos no Brasil exercendo as mesmas atividades.
Melhoramos muito nosso padrão e qualidade de vida.
Se nós tivemos sorte, percebemos também que um enorme número de
brasileiros também teve.
É surpreendente a quantidade de brasileiros que seguiu a mesma
trilha pela qual optamos e estão muito felizes aqui.
A cada dia, mais e mais famílias, alunos e professores de diversas
partes do Brasil chegam ao Canadá.
Mas, sempre tive a dúvida: porque será que tantos estão abandonando
a nossa querida terrinha? Nossa última viagem ao Brasil trouxe-me a
resposta.
Há uma figura de retórica, chamada “O sapo de Einstein”.
O gênio dizia “Se você colocar um sapo em uma panela com água e for
aumentando a temperatura lentamente, o sapo não percebe, vai se
habituando e morre cozido.
Mas se você colocar o sapo em uma panela com água quente ele
imediatamente percebe o choque e pula para fora”.
Acho que o Brasil está passando pelo processo de fervura do sapo.
É incrível a diferença do Brasil de 2001 para o de 2004 e o quanto
as pessoas estão impassíveis e pacíficas.
Um de meus colegas, docente de uma universidade federal em São
Paulo, recebe um salário equivalente ao que eu pago aqui para a babá
da minha filha.
Meu marido, convidado para um congresso no Rio, foi questionado por
um assessor ministerial se desejaria conhecer pessoalmente o
Ministro da Economia, presente ao evento. Educadamente, meu marido
aceitou .
E recebeu como resposta: “Pois é, mas para isso tem uma pequena taxa
de adesão”.
Surpreso, meu marido recusou-se a continuar a conversa.
Aliás, no Rio nosso motorista dava enormes voltas para levar-nos ao
hotel, aos shoppings e ao Centro de Convenções. Mas fomos informados
que na rua tal, estava tendo tiroteio, no outro percurso, ocorria um
tal de “bonde”, que até agora não entendi, mas é algo que envolve
bandidos motorizados.
O surpreendente, é a simplicidade com que as pessoas falam sobre
tiroteios na rua.
Quando saímos do Brasil, o Rio não era nenhum paraíso – pelo
contrário – mas os tiroteios eram esparsos e nos morros.
Hoje, é constante e nas ruas nobres do Rio.
Em São Paulo, assistimos parte do hilariante debate eleitoral na TV.
Uma candidata (esqueci o nome), falava de “escolas de lata” e dizia
ser “originária de uma família rica”. Mas sua cirurgia plástica deve
ter sido feita nos morros do Rio, pois a deixou meio caolha, com as
pálpebras tortas e se ela continuar a entupir-se de botox, vai
começar a vazar pelas orelhas.
Mas das dezenas de empresas que abandonaram o município, não ouvi
uma palavra.
Atualmente, o governo Lula comemora os espetaculares índices
econômicos, produzidos por um médico, Dr. Pallocci. Não entendo nada
de medicina e jamais me atreveria a exercer uma profissão para a
qual não possuo embasamento.
Mas de economia em geral eu entendo um pouco.
E de economia brasileira eu entendo muito. Comemorar a elevação de
indicadores econômicos em relação ao ano passado, demonstra
despreparo e desconhecimento.
A realidade é que em 2001 e 2002 ocorreu uma grande evasão de
empresas e investimentos no Brasil, com receio do futuro governo do
PT.
Este fato somente refletiu-se na economia em 2003, que, em
conseqüência, foi um ano péssimo para o Brasil em termos econômicos.
Desta forma, comparar 2004 contra 2003, médico Pallocci, não é
tecnicamente correto. É o mesmo que comemorar por um paciente que
está em coma, ter melhorado sua pressão arterial em relação ao dia
anterior.
O paciente não sarou, médico Pallocci. Ele está gravemente enfermo.
Então, deixe para comemorar ou dar declarações festivas quando puder
apertar a mão do paciente corado e saudável deixando o hospital.
Mariângela Pereira de Albuquerque é professora universitária no
Canadá.