Isso é bom para a saúde
20 de abril de 2009 | Autor: antonini
Quando eu era
criança, nos anos 1950, óleo de fígado de bacalhau era muito bom para a
saúde, embora péssimo para a vida.
Eu suava frio com a perspectiva de engolir aquela gororoba horrorosa,
uma sessão de tortura familiar, os irmãos em fila – até hoje sinto o
resíduo daquele gosto na alma. Mas não reclamo – como felizmente
conservo uma saúde razoável que vem me mantendo a uma distância segura
dos médicos, com certeza aquele óleo de fígado cumpriu seu papel. Pelo
menos para temperar a resistência e ensinar que nem tudo na vida é doce.
Além do óleo de figado, ordem disciplina, obediência e missa aos
domingos também eram bons para a saúde.
Dos anos 1960 em diante, o óleo de fígado foi perdendo seu prestígio,
junto com o velho pacote familiar. Pensando bem, surgia uma geração
bastante liberal nesse quesito do “bom para a saúde”. O que era
importante mesmo estava, digamos, mais no mundo mental do que no mundo
físico, e se hoje as pessoas andam muito mais esotéricas do que naquele
tempo, acreditando em tudo quanto é mantra e disco voador que aparece
pela frente, devem agradecer à geração dos anos 60 que redescobriu a
Índia, os gurus, a transcendência, a maconha (naquele tempo um item
importante da salvação do espírito, junto com qualquer coisa que
supostamente abrisse “as portas da percepção”), a vida comunitária tudo
que contestasse o sistema capitalista e o perverso mundo da razão. A
regra era a vida desregrada; pode fumar quanto quiser, desde que a alma
conserve-se pura.
O mundo gira e lá pelos anos 1980 veio o que se começou a chamar de
“geração saúde”, junto com aqueles (para os velhos hippies) odiosos
yuppies engravatados que passaram a achar o dinheiro uma coisa muito
boa. Pouco a pouco o cigarro foi caindo em desgraça, surgiu a cultura –
ou a indústria – de tudo que é light, o açúcar passou a ser demonizado
como a maior fonte de sofrimento da vida humana, o café entrou na lista
das drogas proibidas das patrulhas agressivas da “vida saudável e
obrigatória para todos”, a alimentação virou um item
farmacêutico-religioso da vida das pessoas, fizeram-se cruzadas contra o
toucinho e o leitão à pururuca, o velho e bom ovo de galinha foi
condenado à morte por um tribunal universal de vítimas do colesterol e
daí por diante. Em suma, passamos a viver permanentemente na antessala
de um hospital. Avaliar um produto no supermercado para colocá-lo no
carrinho é uma complexa operação que envolve um cálculo preciso entre o
prazer da vida e o tubo de soro na UTI. O prazo de validade é o menor
dos perigos.
Felizmente, há reviravoltas espetaculares: súbito, o café é bom para a
memória e o ovo foi reabilitado com honras medicinas e salva de tiros
por especialistas. No meio dessas boas notícias, temo apenas a volta do
óleo de fígado de bacalhau.
Por
Cristovão Tezza