Tribo brasileira sofre com o tráfico de drogas
7 de dezembro de 2008 | Autor: antonini
A maldita droga ilícita está destruindo até os indígenas
brasileiros. O que está acontecendo com os índios que estão se
entregando à drogadição? Depressão? Estresse da vida moderna?
Desilusão com a sociedade e com cultura nativa? Decepção com a
política populista, covarde, criminosa e corrupta do (dês)governo?
Deve haver algum motivo. Com a palavra os “especialistas”…
Alexei Barrionuevo*
Em Tabatinga, Brasil
Os índios ticuna, que vivem próximos a esse posto militar na
Amazônia, acreditaram por muito tempo que sua comunidade era um
portal para o sobrenatural, para seres imortais que os protegeriam
e garantiriam sua existência.
Mas ultimamente eles estão achando que sua localização pode, em
vez disso, ser uma maldição.
A aldeia ticuna Mariacu fica ao longo de um trecho tranqüilo do
rio Solimões, a menos de cinco quilômetros da movimentada cidade
comercial de Tabatinga, por uma estrada de terra vermelha.
Embora pareça tranqüila, a área se tornou um ímã para os
traficantes de drogas que vagam pela fronteira tripla com a
Colômbia e o Peru.
Alguns índios estão aceitando dinheiro para trabalhar como mulas
do tráfico, usando seu conhecimento dos rios e da densa floresta
tropical para transportar cocaína para o crescente mercado
brasileiro, dizem as autoridades locais. E um número cada vez
maior de jovens ticuna estão sucumbindo ao abuso de drogas e
álcool, que os líderes indígenas culpam pelos suicídios de cerca
de 30 adolescentes durante os últimos cinco anos.
Para os ticuna, esses traumas representam a última ameaça na luta
pela sobrevivência da tribo.
Com cada vez menos chances de emprego, a geração mais velha está
lutando para evitar que os jovens se percam nos vícios do mundo do
homem branco e para salvar da destruição o que restou da cultura
tradicional ticuna.
Alarmados pela violência e desobediência da juventude da aldeia,
dois chefes Mariacu fizeram recentemente um apelo desesperado e
incomum por
ajuda: pediram à polícia brasileira, que normalmente não tem
jurisdição sobre as aldeias indígenas, para entrar na comunidade e
reprimir os traficantes e usuários de substâncias, mesmo que isso
signifique colocar os índios à mercê das leis brasileiras.
“Queremos que as autoridades do governo nos ajudem a salvar nossas
crianças, para que elas não participem dessas práticas
destrutivas”, disse Oswaldo Honorato Mendes, um chefe Mariacu de
voz profunda. A geração mais jovem não obedece. Eles não mostram
respeito pela nossa autoridade como chefes. Eles precisam aprender
o respeito”.
Respeito e obediência aos chefes são os pilares da lei tribal, que
normalmente tem influência nas comunidades indígenas, mas que se
mostrou insuficiente para lidar com os novos desafios.
Os líderes tribais chegaram a um ponto crítico no início de
outubro quando Ildo Mariano, 18, enforcou-se enquanto seus pais
dormiam dentro de sua pequena casa de madeira. Durante meses, ele
vinha bebendo e provavelmente usando drogas com amigos que viviam
em Tabatinga, disse o pai, Alfredo Mariano.
“Ele chegava da aula à noite e começava a estudar, mas daí seus
amigos o pegavam e o levavam para não sei onde”, disse Mariano
numa tarde recente, sentado num banco de madeira enquanto sua
mulher fervia frutos de palmeira pupunha a alguns metros dali.
Quatro dias depois do suicídio de Ildo, os chefes convocaram
oficiais da polícia federal, civil e militar de Tabatinga para um
encontro em Mariacu, onde vivem cerca de 5.200 ticuna. Eles
pediram que a polícia faça mais para controlar os traficantes de
drogas e prender os infratores em suas comunidades. Os oficiais da
polícia ouviram com educação, mas foram embora duvidando que
poderiam ajudar.
“É um pedido desesperado, mas não podemos responder legalmente a
ele”, disse Sergio Fontes, superintendente da polícia federal na
cidade de Manaus, que supervisiona Tabatinga. “Os chefes querem
resolver um problema social com a polícia, e isso é errado”.
A polícia normalmente não pode entrar nas comunidades indígenas do
Brasil para fazer investigações, e os índios geralmente são imunes
às leis brasileiras, disse Fontes. Além disso, o Brasil trata os
usuários de drogas como vítimas que precisam de tratamento, e não
como criminosos. Eles são normalmente sentenciados para receber
tratamento contra o vício ou prestar serviços comunitários em vez
de irem para a prisão.
E apesar de as drogas e o álcool serem ilegais em Mariacu, as
prateleiras das lojas em Tabatinga estão repletas de bebidas
alcoólicas de todos os tipos. Os ticuna também falam de uma pasta
branca, que a maioria acredita que é um tipo de cocaína, que os
jovens da aldeia estão misturando com bebidas alcoólicas.
Os ticuna, que vivem na região há séculos e migraram para essa
área no começo da década de 1840, vivem tradicionalmente da pesca
e do plantio de banana e mandioca.
De acordo com a lenda, seu deus, Yoi, os pescou de um afluente do
Solimões. As fronteiras com o Peru e a Colômbia por tradição não
significam muito para eles. Leticia, a cidade mais ao sul da
Colômbia, fica a menos de 20 minutos de microônibus dali.
Eles permaneceram em grande parte isolados até os anos 1940,
quando o Serviço de Proteção ao Índio do Brasil, hoje Fundação
Nacional do Índio, Funai, criou um escritório para assuntos
indígenas aqui, transformando a cidade numa espécie de capital
regional.
O que aconteceu em Mariacu “não é o resultado de nenhum abandono
da cultura ticuna”, disse João Pacheco de Oliveira, professor de
antropologia no Museu Nacional. Mas sim da história e da cultura
não-indígena transformando o mundo ao redor dos ticuna, disse.
Tabatinga, que já foi uma pequena cidade militar, começou a
crescer rapidamente como um centro de comércio de fronteira nos
anos 80 e agora abriga cerca de 48 mil pessoas. Os ticuna
começaram a participar da política de Tabatinga nos anos 90, a
servir no exército como reservistas e até mesmo a enviar suas
crianças para escolas públicas daqui.
Mas a região também tem sido um entreposto para os traficantes de
drogas desde os anos 70. A repressão recente do governo colombiano
às narco-guerrilhas desviou mais carregamentos de drogas para o
território brasileiro, disse Fontes, superintendente da polícia. A
polícia federal de Manaus já confiscou mais de 2 toneladas de
cocaína este ano, e cerca de 770 quilos apenas em novembro.
“Houve uma escalada de violência na região do Alto Solimões, de
quadrilhas de tráfico de drogas, com um número assustador de
assassinatos, e a maioria dessas quadrilhas está no território
brasileiro”, disse Fontes.
A falta de empregos está piorando. Há uma década a pesca no rio
começou a declinar.
Com o aumento da população de Mariacu e a rigidez das fronteiras
oficiais, há pouco espaço para aumentar as áreas de cultivo, ou
para criar áreas abertas para as crianças brincarem.
Luz Marina Mendes disse que ela quase perdeu seu filho de 19 anos,
Donizete, que tentou se matar duas vezes enquanto usava drogas.
Ela o pegou usando drogas no ano passado, e encontrou uma pasta
esbranquiçada que sua sobrinha disse a ela que era um tipo de
droga.
Um dia Donizete tropeçou na porta da frente da casa da família num
acesso de violência, com o braço sangrando por causa de um corte
profundo que ele mesmo havia feito. Na outra vez, disse Mendes,
ela o salvou ao descobri-lo tentando se enforcar com uma corda.
Mais tarde ele se juntou ao exército e abandonou as drogas
enquanto vivia no quartel em Tabatinga, disse ela.
“Virgem Maria, eu passei por um tempo muito difícil com ele”,
disse ela, chorando por causa da lembrança. “Eu sofri muito”.
Mas buscar ajuda de fora é um assunto espinhoso.
Enquanto os índios que não foram expostos à cultura de fora não
podem ser processados de nenhuma forma pela lei brasileira, os
chamados índios aculturados, como os ticuna, podem ser processados
sob certas circunstâncias, disse Davi Cecilio, ticuna que é chefe
do escritório da Funai de Tabatinga.
Mesmo assim, um índio aculturado “não pode ser preso pelo mesmo
tempo que um homem branco”, disse.
Na cadeia de Tabatinga, meia dúzia de índios foram detidos
recentemente, suspeitos de atuar como mulas de drogas. Os
traficantes se aproximam dos índios porque eles normalmente não
sabem que as substâncias que lhes pedem para transportar são
ilegais, disse o tenente Francisco Garcia, que administra a
cadeia. Os índios provavelmente suspeitam que o que pedem para
eles fazerem não é muito certo, mas normalmente não compreendem
totalmente as graves sentenças de prisão que poderiam sofrer no
mundo do homem branco.
E é difícil resistir à tentação do dinheiro fácil. A maioria dos
ticuna em Mariacu ganha pouco mais do que o salário mínimo
brasileiro de US$ 168 por mês. Na cadeia, Max Tello, um índio de
20 anos da tribo cocama, no oeste da Amazônia, disse que aceitou
US$ 404 em janeiro para levar um pacote de cocaína rio acima,
enquanto trabalhava num barco no rio.
Queliana Gomes, 23, que é parte ticuna e parte cocama, também está
na cadeia. Ela disse que recebeu mais de 12 vezes o que ganhava
como empregada doméstica em Tabatinga para transportar um pacote
de uma substância branca que mais tarde ficou sabendo que era
cocaína, disse.
Apesar de saber que o que fez é ilegal, ela disse que os índios
deveriam ser considerados sob outro parâmetro.
“A lei do homem branco é a lei do homem branco, e a nossa lei tem
que prevalecer, porque nosso povo não chegou aqui por causa dos
brancos”, disse Gomes. “Se não lutarmos pelos nossos direitos,
nossa etnia vai deixar de existir”.
O português está aos poucos minando a importância da língua ticuna
em Mariacu. Os ticuna mais jovens estão cada vez menos
interessados em pescar para viver ou em continuar com as tradições
dos mais velhos, dizem os moradores. Os jovens ticuna “querem ter
uma moto como os brancos da cidade, dançar a música deles,
participar da vida regular dos brancos em Tabatinga”, disse Joel
Santos de Lima, prefeito de Tabatinga.
Esse estilo de vida trouxe uma violência que parece quase
inevitável hoje em dia, dizem os chefes.
“A polícia é a segurança do Brasil, e eles não estão fazendo
nada”, disse Mendes. “É responsabilidade deles. É para isso que
eles são pagos”.
Mas com a polícia rejeitando o apelo dos índios, pelo menos por
enquanto, os ticuna terão que descobrir outras maneiras de lidar
com seus próprios problemas sociais e com o redemoinho de novas
influências.
“Os ticuna estão entre dois mundos”, disse Fontes, “e eu não sei
qual é o pior”.
* Mery Galanternick contribuiu com a reportagem no Rio de Janeiro,
Brasil