Brasileiros desenvolvem cola para nervos
9 de agosto de 2010 | Autor: antonini
Agência FAPESP – A realização de reparos
eficientes em lesões do sistema nervoso é um desafio para a
medicina. Compreender o rearranjo dos circuitos neurais provocado
por essas lesões pode ser um passo fundamental para otimizar a
sobrevivência e a capacidade regenerativa dos neurônios motores e
restabelecer os movimentos do paciente.
A partir de investigações sobre esses mecanismos de rearranjo dos
circuitos nervosos, um grupo da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) está desenvolvendo um modelo inovador que associa terapia
celular ao reimplante das raízes nervosas.
Para restabelecer a conexão entre o sistema nervoso periférico e o
central, os pesquisadores utilizam células-tronco mononucleares de
medula óssea e uma “cola” desenvolvida a partir do veneno de
serpentes.
O projeto é coordenado por Alexandre Leite Rodrigues de Oliveira,
professor do Departamento de Anatomia, Biologia Celular e Fisiologia
e Biofísica, e conta com apoio da FAPESP por meio da modalidade
Auxílio à Pesquisa – Regular.
Participam também do projeto Roberta Barbizan, orientanda de
doutorado de Oliveira no Programa de Pós-Graduação em Biologia
Celular e Estrutural da Unicamp, Rui Seabra Ferreira Júnior,
professor do Departamento de Doenças Tropicais e Diagnóstico por
imagem da Faculdade de Medicina (FMB) da Universidade Estadual de
São Paulo (Unesp), em Botucatu e Antônio de Castro Rodrigues,
professor da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), da USP.
Coordenador do Laboratório de Regeneração Nervosa da Unicamp,
Oliveira apresentou na segunda-feira (26/7), durante o 15º Congresso
da Sociedade Brasileira de Biologia Celular, em São Paulo, modelos
utilizados por sua equipe para investigar os mecanismos de
regeneração do sistema nervoso central e periférico.
Este ano, o grupo já publicou artigos sobre o tema nas revistas
Neuropathology and Applied Neurobiology, Journal of Comparative
Neurology e Journal of Neuroinflammation.
“Após lesão no sistema nervoso – periférico ou central –, ocorre um
rearranjo considerável dos circuitos neurais e das sinapses.
Entender esse rearranjo é importante para determinar a sobrevivência
neural e a capacidade regenerativa posterior”, disse Oliveira à
Agência FAPESP.
Para estudar os mecanismos de regeneração, os cientistas utilizam
técnicas que unem microscopia eletrônica de transmissão,
imuno-histoquímica, hibridação in situ e cultura de células gliais e
neurônios medulares.
“Procuramos associar a terapia celular ao reimplante das raízes
nervosas. Para isso, temos usado células-tronco mesenquimais e
mononucleares no local da lesão ou nas raízes reimplantadas. A ideia
não é repor neurônios, mas estimular troficamente essas células e
evitar a perda neural, de modo a conseguir otimizar o processo
regenerativo”, disse.
O projeto mais recente do grupo envolve o uso de um selante de
fibrina – uma proteína envolvida com a coagulação sanguínea –,
produzido a partir de uma fração do veneno de jararaca pelo Centro
de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos da Universidade Estadual
Paulista (Unesp) em Botucatu.
“Os axônios dos neurônios motores saem da medula espinhal e entram
na raiz nervosa, dirigindo-se aos nervos. O nosso modelo emprega
essa ‘cola’ biorreabsorvível para reimplantar as raízes nervosas na
superfície da medula, onde o sistema nervoso periférico se conecta
ao sistema nervoso central. Associamos essa adesão às
células-tronco, que produzem fatores neurotróficos – isto é,
moléculas proteicas capazes de induzir o crescimento e a migração de
expansões das células neurais”, explicou Oliveira.
Quando as raízes motoras são arrancadas, cerca de 80% dos neurônios
motores morrem duas semanas após a lesão. Mas os motoneurônios que
sobrevivem têm potencial regenerativo após o reimplante de raízes
nervosas.
“Porém, na maioria das vezes, o reimplante das raízes não é
suficiente para se obter um retorno da função motora, porque a lesão
causa uma perda neuronal grande demais. Por isso, é preciso
desenvolver estratégias para diminuir a morte neuronal após a lesão.
Achamos que o uso do selante de fibrina pode auxiliar nesse
processo”, indicou.
Segundo Oliveira, quando há uma lesão periférica – comum em
acidentes de trabalho, por exemplo –, com transecção ou esmagamento
de nervos, ocorre uma resposta retrógrada, isto é, uma reorganização
sináptica visível na medula espinhal, onde se encontram os
neurônios.
“O interessante é que, quando a lesão é periférica, o neurônico
sinaliza de alguma forma para a glia – o conjunto de células do
sistema nervoso central que dão suporte aos neurônios –, que se
torna reativa. Essa reatividade está envolvida no rearranjo
sináptico por meio de mecanismos ainda pouco conhecidos. Nosso
objetivo é compreender e otimizar esse processo de rearranjo
sináptico para, futuramente, criar estratégias capazes de melhorar a
qualidade da regeneração neuronal”, afirmou.
Rearranjo sináptico
No laboratório da Unicamp, os cientistas induzem em ratos e
camundongos doenças como a encefalomielite autoimune experimental –
que é um modelo para estudar a esclerose múltipla. Após a indução de
uma forma aguda da doença, os animais apresentam todos os sinais
clínicos, tornando-se tetraplégicos de 15 a 17 dias após a indução.
“Por outro lado, eles se recuperam da tetraplegia muito rapidamente,
entre 72 e 96 horas. O rearranjo sináptico induzido pela inflamação
é tão grande que paralisa completamente a funcionalidade tanto
sensitiva como motora, mas de forma transitória”, disse Oliveira.
No entanto, a esclerose múltipla destrói a bainha de mielina, uma
substância que isola as terminações dos nervos e garante o
funcionamento dos axônios. Segundo Oliveira, porém, essa bainha se
recupera em surtos temporários: em alguns momentos há
desmielinização; em outros, a resposta imune fica menos ativa,
permitindo que a bainha de mielina se recomponha.
“O paradoxal é que, mesmo que a remielinização não tenha se
completado, o animal volta a andar normalmente. Nossa hipótese é que
o processo autoimune causa lesões cuja repercussão no sistema
nervoso central é similar àquela que ocorre após uma injúria axonal.
Transitoriamente, os neurônios param de funcionar. Quando a
inflamação cede, as sinapses retornam muito rapidamente. No modelo
animal, em algumas horas a função é retomada e os sinais clínicos
vão desaparecendo”, disse.
Além do modelo da esclerose múltipla, os cientistas trabalham também
com um modelo de lesão periférica dos nervos e na superfície da
medula espinhal.
“Quanto mais perto da medula ocorre a lesão, mais grave a lesão em
termos de morte neuronal. Todas são graves, mas aquela que ocorre
perto da medula causa perda neuronal e aí não há perspectiva de
recuperação. Mesmo com as vias íntegras, o neurônio que conecta o
sistema central com o músculo morre e nunca mais haverá
recuperação”, explicou o professor da Unicamp.
“Tanto no animal como no homem, ocorre uma perda grande de
neurônios, mas da pequena porcentagem que resta, apenas cerca de 5%
consegue se regenerar. No homem, entretanto, há uma demora de mais
de dois anos para que se recupere alguma mobilidade. No rato, a
mobilidade é recuperada em três ou quatro meses”, disse.
“Uma vez que isso foi descoberto, começou-se a tentar reimplantar as
raízes, desenvolvendo estratégias cirúrgicas e tratamentos com
drogas que evitem a morte neuronal nesse período em que há
desconexão. Essa parece ser a saída mais promissora para evitar a
perda neuronal e otimizar a regeneração”, afirmou.
Transcrito de InfoOnline