Isto sim é processo civil
8 de junho de 2010 | Autor: antonini
Desajeitado, o magistrado Dr. Juílson tentava equilibrar em ambas as
mãos, a cuia, a térmica, um pacotinho de biscoitos, e uma pasta de
documentos.
Com toda esta tralha, dirigir-se-ia para seu gabinete, mas ao dar
meia volta deparou-se com sua esposa, a advogada Dra. Themis, que já
o observava há sabe-se lá quantos minutos. O susto foi tal que cuia,
erva e documentos foram ao chão. O juiz franziu o cenho e estava
pronto para praguejar, quando observou que a testa da mulher era
ainda mais franzida que a sua.
Por se tratarem de dois juristas experientes, não é estranho que o
diálogo litigioso que se instaurava obedecesse aos mais altos
padrões de erudição processual.
– Juílson! Eu não agüento mais essa sua inércia. Eu estou carente,
carente de ação, entende?
– Carente de ação? Ora, você sabe muito bem que, para sair da
inércia, o Juízo precisa ser provocado e você não me provoca, há
anos. Já eu dificilmente inicio um processo sem que haja
contestação.
– Claro, você preferia que o processo corresse à revelia. Mas não
adianta, tem que haver o exame das preliminares, antes de entrar no
mérito. E mais, com você o rito é sempre sumaríssimo, isso quando a
lide não fica pendente… Daí é que a execução fica frustrada.
– Calma aí, agora você está apelando. Eu já disse que não quero
acordar o apenso, no quarto ao lado. Já é muito difícil colocá-lo
para dormir. Quanto ao rito sumaríssimo, é que eu prezo a economia
processual e detesto a morosidade. Além disso, às vezes até uma
cautelar pode ser satisfativa.
– Sim, mas pra isso é preciso que se usem alguns recursos especiais.
Teus recursos são sempre desertos, por absoluta ausência de preparo.
– Ah, mas quando eu tento manejar o recurso extraordinário você
sempre nega seguimento. Fala dos meus recursos, mas impugna todas as
minhas tentativas de inovação processual. Isso quando não embarga a
execução.
Mas existia um fundo de verdade nos argumentos da Dra. Themis. E o
Dr. Juílson só se recusava a aceitar a culpa exclusiva pela crise do
relacionamento. Por isso, complementou:
– Acho que o pedido procede, em parte, pois pelo que vejo existem
culpas concorrentes. Já que ambos somos sucumbentes vamos nos
dar por reciprocamente quitados e compor amigavelmente o litígio.
– Não posso. Agora existem terceiros interessados. E já houve a
preclusão consumativa.
– Meu Deus! Mas de minha parte não havia sequer suspeição!
– Sim. Há muito que sua cognição não é exauriente. Aliás, nossa
relação está extinta. Só vim pegar o apenso em carga e fazer remessa
para a casa da minha mãe.
E ao ver a mulher bater a porta atrás de si, Dr. Juílson fica
tentando compreender tudo o que havia acontecido. Após deliberar por
alguns minutos, chegou a uma triste conclusão:
– E eu é que vou ter que pagar as custas…