O Farmacêutico e a ética
21 de abril de 2010 | Autor:
antonini
Farmacêuticos e população de todo o País acompanharam, atônitos, a
matéria veiculada no “Fantástico”, da Rede Globo, no domingo
(18.04.10). A equipe daquele revista televisiva flagrou situações em
que farmacêuticos ou proprietários de farmácias pagavam comissões a
médicos. O “Fantástico” entrevistou-me e eu fui incisivo, ao
declarar que a conduta dos farmacêuticos denunciados feria a ética
farmacêutica.
Estou recebendo e-mails e ligações telefônicas de farmacêuticos de
todo o País, em que comentam o fato e a minha entrevista. Um
farmacêutico chegou a dizer que a minha declaração foi “pífia”. Uma
outra informou que a prática daqueles profissionais flagrados pelas
lentes do “Fantástico” é corriqueira e que a matéria não traz
novidades. Colegas, também, ligaram para manifestar a sua
“vergonha”, diante das denúncias, ou indignação frente à atitude dos
colegas.
A todos, tenho dito o que vou repetir, aqui e agora: o Conselho
Federal de Farmácia (CFF) tem, antes de tudo, um compromisso com a
sociedade. Para tanto, o órgão fiscaliza o estrito cumprimento da
ética profissional, porque, assim, está preservando direitos da
coletividade.
E o que diz o nosso Código de Ética Profissional, aprovado pela
Resolução 417, de 29 de setembro de 2004, publicada, em 17 de
novembro de 2004, no “Diário Oficial da União”? Em seu artigo 13,
inciso III, o Código é claro, ao condenar aquele que “exercer a
Farmácia em interação com outras profissões, concedendo vantagem, ou
não, aos demais profissionais habilitados para direcionamento de
usuário, visando ao interesse econômico e ferindo o direito do
usuário de livremente escolher o serviço e o profissional”. Também,
condena quem “praticar procedimento que não seja reconhecido pelo
Conselho Federal de Farmácia”.
Portanto, fora daí, é desobediência ao Código de Ética da Profissão
Farmacêutica. E infringi-lo é uma conduta pela qual o seu autor deve
ser penalizado.
O que foi mostrado no “Fantástico” é algo acintoso à ética. É,
ainda, um insulto à sociedade a quem nós, farmacêuticos brasileiros,
destinamos os nossos serviços. E, por eles, recebemos um pagamento
ético, um salário que corresponde ao rendimento em troca do trabalho
que despendemos no nosso processo produtivo.
Os nossos serviços e os produtos que são dispensados em nossos
estabelecimentos têm um grande alcance social e sanitário. Eles são
responsáveis pela manutenção da saúde, pela recuperação de doenças,
por salvar vidas. Por conseguinte, não podem degradar-se, a ponto de
se tornar, de forma vil, uma “moeda” de barganha para aumento da
lucratividade, não importando a saúde de quem padece de doenças.
A matéria da Rede Globo denuncia exatamente isso: empresas
farmacêuticas oferecendo remunerações a médicos, sob a forma de
captação de receitas. Noutras palavras, uma relação promíscua, pois
que nutrida pela propina, pela chantagem, pelo suborno.
O farmacêutico, pelo contrário, tem a obrigação de adotar todos os
meios para promover a devida assistência farmacêutica e garantir o
acesso ao medicamento e aos seus serviços pelos cidadãos. É o
momento em que ele, assumindo a sua condição de profissional da
saúde, amplifica a sua responsabilidade social com a seu vastíssimo
arco de atividades e atribuições, que podem ser traduzidas no
aumento da qualidade de vida das pessoas que deles necessitam.
Não é lícito vincular a dispensação de medicamentos a prêmios ou
remunerações indiretas ou reflexas a médicos que prescrevem
medicamentos e induzem os seus pacientes a adquirir esses produtos,
em farmácias com as quais mantêm o vínculo promíscuo.
O cidadão tem direito ao medicamento e à sua respectiva orientação
farmacêuica. Não é admissível, portanto, quaisquer condutas diversas
ou dinheiros alheios ao fim específico, que é a aquisiçao do produto
pelo valor justo. O repasse de valores que, ressalte-se, leva ao
encarecimento dos medicamentos, é prática nefasta de locupletamento
ilícito de remunerações, bônus ou prêmios à custa da doença alheia.
Se o farmacêutico verificar esta prática, deverá denunciar o fato ao
Conselho Regional de Farmácia ao qual estiver inscrito, cabendo a
esse CRF produzir e encaminhar relatório da infraçao aos órgãos do
âmbito de sua jurisdiçao, sejam Conselho Regional de Medicina e
Ministério Público Federal ou Promotoria da Defesa da Saúde.
O salário do farmacêutico não advem de venda casada de medicamento
ou direcionamento de receita. Tampouco o salário do médico advém
dessa mesma prática abominável, cabendo aos Conselhos Regionais de
Farmácia e Medicina envidar esforços para banir essa conduta.
Portanto, aviltar o medicamento, um bem social destinado à
manutenção da saúde e à cura de doenças, e rebaixar a assistência
farmacêutica, um conjunto de serviços que têm a função de garantir o
sucesso da terapêutica medicamentosa, à condição de peças de uma
engrenagem sórdia para se ganhar dinheiro, de forma espúria, é
venhoso. Fere a ética, fere a lei, fere a dignidade humana. Por
isso, o CFF a reprova, veementemente, e contra ela lutará com todo o
destemor.
Mas o Conselho Federal de Farmácia reconhece que a prática
denunciada pela Rede Globo não faz parte da índole dos farmacêuticos
brasileiros. Eles são profissionais responsáveis, honestos, dignos.
E mais: prepararam-se, técnica e cientificamente, e imbuíram-se do
mais puro espírito de responsabilidade social para servir bem a
população.
De sorte que não aceitamos, mas de forma alguma, a pecha de que os
farmacêuticos pratiquem costumeiramente atos que ferem a sua ética
profissional. Que os faltosos – apenas eles – paguem por suas
condutas.
Dr. Jaldo de Souza Santos,
Presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF).
E-mail: presidencia@cff.org.br