A análise de dez anos de dados sobre a gripe no Brasil traz, ao mesmo tempo, uma boa notícia e uma nota de cautela. A doença parece se propagar de modo mais lento por aqui do que em outros países, graças a um nível relativamente alto de imunidade entre a população.
Por outro lado, isso significa que a diversidade genética dos vírus no país é alta, com potencial de produzir e “exportar” novas variantes da moléstia.
O mexicano Gerardo Chowell, da Universidade do Estado do Arizona (EUA), assina o estudo sobre o tema no periódico “Proceedings of the Royal Society B”, junto com o brasileiro Wladimir Alonso, dos NIH (Institutos Nacionais de Saúde americanos), e colegas.
O trabalho tenta montar o quebra-cabeça da gripe de trás para a frente, por assim dizer. A equipe usou como base os dados do Ministério da Saúde sobre mortes por “pneumonia e influenza” entre 1996 e 2006 por Estado.
É claro que as mortes correspondem apenas aos casos mais severos, e nem todas as pessoas que morrem de pneumonia chegaram a essa situação por causa da gripe. Mas as estatísticas, compiladas semanalmente, são suficientes para saber como as ondas de gripe sazonal caminham.
“Pode ser que a qualidade dos dados varie de regiões mais pobres para mais ricas, mas achamos que a variação não é significativa, porque os médicos reconhecem com facilidade uma morte por infecção respiratória”, explica Alonso.
Com base na curva formada pelo aumento de casos ao longo do tempo, o grupo calculou que, em média, cada pessoa infectada contamina outra 1,03 pessoa –índice inferior ao registrado nos EUA e na Europa (veja quadro abaixo).
Estação gripe
“Nós também vimos que, ao contrário do que se vê no hemisfério Norte, não há uma estação de gripe muito bem marcada. A situação lembra mais um cenário no qual os vírus estão circulando o tempo todo. E isso explicaria o desenvolvimento de uma imunidade mais elevada a eles”, diz o pesquisador mexicano.
Para Chowell, os dados indicam que a população brasileira funciona como um grande reservatório de muitas variantes relativamente benignas de vírus da gripe. Por isso mesmo, diz ele, embora cepas surgidas aqui tendam a ser menos agressivas, é bem possível que o reservatório brasileiro de vírus acabe exportando novas variedades da gripe comum para outros locais do planeta.
Tal exportação, por sua vez, poderia aumentar o repertório de truques genéticos de variedades potencialmente perigosas de influenza geradas na Ásia, por exemplo. “Acho que a grande mensagem desse resultado é a necessidade de melhorar os sistemas de vigilância que acompanham as variantes da gripe, em especial em países tropicais como o Brasil, sobre os quais ainda há poucos dados”, disse Chowell.
Fonte: Folha de S. Paulo